A proteção ao consumidor no âmbito dos contratos de licenciamento de jogos digitais: O que o Brasil pode aprender com a Bill AB-2426?

Por Publicado em: 18 de outubro de 2024Categorias: Análise

A IMPLEMENTAÇÃO DA BILL AB-2426 

No intuito de expandir a proteção ao consumidor, o estado americano da Califórnia aprovou, no mês de setembro, a Bill AB-2426, que trata da propaganda enganosa no âmbito dos bens digitais (1).

A nova lei visa proibir que lojas digitais, tais quais Steam, App Store e Epic Games, façam uso de termos como “comprar” e “adquirir”, assim como qualquer outra palavra que induza o consumidor a entender que está adquirindo a propriedade irrestrita do bem digital, exceto se o vendedor fornecer aviso explícito e claro sobre a natureza do negócio jurídico. 

Ao tratar do assunto, o legislador californiano trouxe à tona o fato de que o consumidor, ao “comprar” produtos nas plataformas de distribuição digital, está meramente pagando pela licença de utilização do conteúdo. 

Apesar de corriqueiras em um mundo digitalizado, essas operações possuem consequências notáveis quando analisadas sob a ótica da hipossuficiência inerente ao consumidor, com especial destaque para o mercado de jogos digitais. 

RESPOSTA ÀS INCERTEZAS DOS CONSUMIDORES 

A lei assinada pelo governador Gavin Newsom surge em um contexto em que desenvolvedoras e publishers de jogos eletrônicos têm excluído permanentemente os jogos da biblioteca de seus consumidores após o desligamento dos servidores, como feito pela francesa Ubisoft com o título “The Crew”.

Ao contrário do que se poderia imaginar, nem mesmo a compra da mídia física blinda o adquirente da possibilidade de se ver impossibilitado de desfrutar do bem que comprou.  Uma vez que a validação de vários jogos eletrônicos ocorre via internet, basta simples atualização pela desenvolvedora para que os jogos se tornem inutilizáveis. 

Nesse cenário, para que os consumidores brasileiros não fiquem completamente desamparados, é necessário que a legislação brasileira se adapte ao cenário. 

O CENÁRIO NO BRASIL 

No tocante ao uso de softwares no território nacional, a Lei nº 9.609 de 1998, em seu art. 4º dispõe que ocorrerá por meio de contrato de licenciamento, sejam jogos eletrônicos ou qualquer outro programa de computador (2).

Apesar da clara delimitação do desenvolvedor como licenciante e o usuário como licenciado, a legislação brasileira, sobretudo o Código de Defesa do Consumidor, carece de disposições específicas que protejam o usuário em casos como o da Ubisoft e tantos outros. 

Conquanto a maior loja e distribuidora de jogos digitais, Steam, tenha se antecipado, mesmo em países sem norma que a obrigue, e incluído aviso de que o consumidor está adquirindo somente uma licença, o usuário não deve ficar à mercê da boa vontade dos fornecedores.

Inspirada ou não na Bill AB-2426, é de suma importância que inovações e alterações sejam feitas na legislação consumerista brasileira, não somente para trazer mais transparência no ato de comprar jogos eletrônicos e demais softwares, mas, também, para evitar revogações arbitrárias e injustas das licenças adquiridas. 

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(1) Aqui.

(2)  Art. 9º O uso de programa de computador no País será objeto de contrato de licença.

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Bacharelando em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

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